A nossa vida começa todos os dias. Está cheia de intervalos,
estática e interferências, como na televisão. Por vezes gostamos do que passa
no intervalo outras nem por isso. A minha linha da vida está cheia de desvios e
nunca percebi muito bem que significado isso teria até o meu marido me dizer “a
nossa felicidade começa hoje”. A nossa felicidade já começou há uns anos e
quando vi a frase dele para mim não percebi logo o sentido integral das suas
palavras. A verdade é que sou feliz com ele desde que nos conhecemos mas sempre
tive outras questões que me afastaram da nossa casa, de saídas com os amigos,
de férias, de desfrutar em pleno todos os momentos felizes que vivemos. Há duas
semanas a minha vida mudou para sempre quanto me tiraram, literalmente, uma
parte de mim. Já sabia o que ia acontecer, já esperava pelo momento, na véspera
pensei que me fosse custar mais, não sabia como ia acordar. A possibilidade de
não acordar cruzou a minha mente, acho que sempre acontece e depois,
rapidamente, tentamos soprar para longe esse pensamento menos feliz. Mas o
despertar não se deu quando acordei, tenho vindo a aperceber-me de que o
despertar se dá um pouco mais a cada dia. Começou por ser uma sensação de alívio,
depois um misto de alivio e tristeza. Aos poucos vou-me consciencializando de
que foi o melhor para mim, de que foi a solução possível, de que foi a única
solução. Agora continua a ser um alívio em muitos aspectos e sei que há duas
semanas começou a minha vida mas ainda não despertei completamente. Todos os
dias experiencio sentimentos confusos e, por vezes, contraditórios. Já não
tenho mágoa nem revolta, já não penso “porquê eu”… Porque não?! Já não culpo
Deus ou o mundo. Aceitei a minha vida, todos os intervalos e interregnos,
aproveito as pausas para olhar para dentro, para descansar do mundo, para
pensar no meu propósito e no que fazer com toda a minha experiência de vida. Já
não me pergunto porquê, acredito que tudo acontece por uma razão e Alguém tem
para mim planos maiores, só tenho que aprender a ler nas entrelinhas e, aos
poucos, de sobressalto em sobressalto, vou levantando um pouco mais do véu que
encobre o meu destino.